Wednesday, April 30, 2008

Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais

Peço licença pela minha ousadia de apresentar esse tema tão polêmico da vida real em um blog dedicado ao Second Life. Entretanto, Já abordamos aqui temas de racismo dentro do SL, como pode ser lido aqui ou ainda aqui


***Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais***

Neste momento, um grupo de brasileiros está reunido com o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, para lhe entregar a carta intitulada “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra as leis raciais”. O que confere urgência ao documento é o apoio a duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que estão no Supremo (ADIN 3.330 e ADIN 3.197), contra as cotas raciais: uma é relativa ao Prouni, e outra, aos vestibulares das universidades estaduais do Rio.

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Nós, intelectuais da sociedade civil, sindicalistas, empresários e ativistas dos movimentos negros e outros movimentos sociais, dirigimo-nos respeitosamente aos Juízes da corte mais alta, que recebeu do povo constituinte a prerrogativa de guardiã da Constituição, para oferecer argumentos contrários à admissão de cotas raciais na ordem política e jurídica da República.

Na seara do que Vossas Excelências dominam, apontamos a Constituição Federal, no seu Artigo 19, que estabelece: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”. O Artigo 208 dispõe que: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”. Alinhada com os princípios e garantias da Constituição Federal, a Constituição Estadual do Rio de Janeiro, no seu Artigo 9, § 1º, determina que: “Ninguém será discriminado, prejudicado ou privilegiado em razão de nascimento, idade, etnia, raça, cor, sexo, estado civil, trabalho rural ou urbano, religião, convicções políticas ou filosóficas, deficiência física ou mental, por ter cumprido pena nem por qualquer particularidade ou condição”.

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Apresentadas como maneira de reduzir as desigualdades sociais, as cotas raciais não contribuem para isso, ocultam uma realidade trágica e desviam as atenções dos desafios imensos e das urgências, sociais e educacionais, com os quais se defronta a nação. E, contudo, mesmo no universo menor dos jovens que têm a oportunidade de almejar o ensino superior de qualidade, as cotas raciais não promovem a igualdade, mas apenas acentuam desigualdades prévias ou produzem novas desigualdades:

- As cotas raciais exclusivas, como aplicadas, entre outras, na Universidade de Brasília (UnB), proporcionam a um candidato definido como “negro” a oportunidade de ingresso por menor número de pontos que um candidato definido como “branco”, mesmo se o primeiro provém de família de alta renda e cursou colégios particulares de excelência e o segundo provém de família de baixa renda e cursou escolas públicas arruinadas. No fim, o sistema concede um privilégio para candidatos de classe média arbitrariamente classificados como “negros”.

- As cotas raciais embutidas no interior de cotas para candidatos de escolas públicas, como aplicadas, entre outras, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), separam os alunos proveniente de famílias com faixas de renda semelhantes em dois grupos “raciais” polares, gerando uma desigualdade “natural” num meio caracterizado pela igualdade social. O seu resultado previsível é oferecer privilégios para candidatos definidos arbitrariamente como “negros” que cursaram escolas públicas de melhor qualidade, em detrimento de seus colegas definidos como “brancos” e de todos os alunos de escolas públicas de pior qualidade.

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Raças humanas não existem. A genética comprovou que as diferenças icônicas das chamadas “raças” humanas são características físicas superficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25 mil genes estimados do genoma humano. A cor da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de radiação ultravioleta vigentes em diferentes áreas do mundo, é expressa em menos de 10 genes! Nas palavras do geneticista Sérgio Pena: “O fato assim cientificamente comprovado da inexistência das ‘raças’ deve ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais Uma postura coerente e desejável seria a construção de uma sociedade desracializada, na qual a singularidade do indivíduo seja valorizada e celebrada. Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos, e não em um punhado de ‘raças’.” (“Receita para uma humanidade desracializada”, Ciência Hoje Online, setembro de 2006).

Não foi a existência de raças que gerou o racismo, mas o racismo que fabricou a crença em raças. O “racismo científico” do século XIX acompanhou a expansão imperial européia na África e na Ásia, erguendo um pilar “científico” de sustentação da ideologia da “missão civilizatória” dos europeus, que foi expressa celebremente como o “fardo do homem branco”.

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A meta nacional deveria ser proporcionar a todos um ensino básico de qualidade e oportunidades verdadeiras de acesso à universidade. Mas há iniciativas a serem adotadas, imediatamente, em favor de jovens de baixa renda de todas as cores que chegam aos umbrais do ensino superior, como a oferta de cursos preparatórios gratuitos e a eliminação das taxas de inscrição nos exames vestibulares das universidades públicas. Na Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Programa de Cursinhos Pré-Vestibulares Gratuitos, destinado a alunos egressos de escolas públicas, atendeu em 2007 a 3.714 jovens, dos quais 1.050 foram aprovados em concursos vestibulares, sendo 707 em universidades públicas. Medidas como essa, que não distinguem os indivíduos segundo critérios raciais abomináveis, têm endereço social certo e contribuem efetivamente para a amenização das desigualdades.

(...)
A propaganda cerrada em favor das cotas raciais assegura-nos que os estudantes universitários cotistas exibem desempenho similar ao dos demais. Os dados concernentes ao tema são esparsos, contraditórios e pouco confiáveis. Mas isso é essencialmente irrelevante, pois a crítica informada dos sistemas de cotas nunca afirmou que estudantes cotistas seriam incapazes de acompanhar os cursos superiores ou que sua presença provocaria queda na qualidade das universidades. As cotas raciais não são um distúrbio no ensino superior, mas a face mais visível de uma racialização oficial das relações sociais que ameaça a coesão nacional.

A crença na raça é o artigo de fé do racismo. A fabricação de “raças oficiais” e a distribuição seletiva de privilégios segundo rótulos de raça inocula na circulação sanguínea da sociedade o veneno do racismo, com seu cortejo de rancores e ódios. No Brasil, representaria uma revisão radical de nossa identidade nacional e a renúncia à utopia possível da universalização da cidadania efetiva.

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Eis alguns dos 113 signatários da carta:
Aguinaldo Silva, Alba Zaluar, Antonio Cícero, Bolivar Lamounier, Caetano Veloso, Demétrio Magnoli, Edmar Lisboa Bacha, Eduardo Giannetti, Eduardo Pizarro Carnelós, Eunice Durham, Ferreira Gullar, Gerald Thomas, Gilberto Velho, João Ubaldo Ribeiro, José Augusto Guilhon Albuquerque, José de Souza Martins, Lourdes Sola, Luciana Villas-Boas, Lya Luft, Maria Sylvia Carvalho Franco, Nelson Motta, Reinaldo Azevedo, Roberto Romano da Silva, Ruth Correa Leite Cardoso, Wanderley Guilherme dos Santos e Yvonne Maggie.

7 comments:

lucillemorigi said...

Anna, muito embora o tema seja extremamente controvertido porque pode levar a interpretações erradas, sou contra as cotas raciais. O Brasil é feito de pessoas misturadas em suas etnias, não sendo possivel objetivamente dizer quem é o que, na verdade. Além, disso - e mais importante - a diferenciação que se faz ao estabelecer tais cotas causa maior separação entre as pessoas de cores diferentes. Sou favorável às cotas SOCIAIS, sim, que abrangem a todos os desfavorecidos economicamente, porém, cotas raciais, o próprio nome já diz, é racismo e não se pode concordar com isto.

Anonymous said...

Muito bem colocado, oportunamente, o Brasil com todas a sua miscigenação continua com o racismo implícito, muita hipocrisia, certas atitudes socias contribuem para que nunca se acabe.
Rosana Nihi

Anonymous said...

Fico feliz de ver assuntos polêmicos sendo discutidos em blogs do SL. Afinal, como dito pela nobre colunista, todos os avatares são pessoas reais, que vivem seus dilemas cotidianos também no metaverso.
Gostaria, no entanto, sem querer polemizar ou contraditar a posição antes esposada, defender entendimento diverso a respeito do tema, que, espero, possa contribuir para uma visão crítica do leitor no que toca às cotas "raciais".
Raça, como sabemos, é um conceito etéreo. Não se pode definir com precisão o que venha a ser uma raça humana, sendo preferível, no caso dos seres humanos, a utilização do termo etnia. Raça usamos para animais, como cachorros ou gatos, por exemplo. O uso da expressão "raça" aplicável ao caso serve tão-somente para que se possa alcançar as populações menos favorecidas no vernáculo, facilitando o entendimento e o alcance da questão discutida, especialmente no que se refere a brancos ou negros - distintos por cor da pele - ou ainda judeus, cristãos ou muçulmanos - distinção religiosa. Usarei, portanto, e por empréstimo, a palavra etnia para exprimir o conceito de raça humana.
Edward Telles, sociólogo, autor da obra "racismo a brasileira", bem define que no Brasil não há racismo, tal como podemos encontrá-lo e sintetizá-lo nos Estados Unidos ou na África do Sul. Nos EUA temos uma população de 300 milhões de habitantes, dos quais apenas 10% são negros. E o controle governamental se encontra nas mãos dos brancos, nada obstante possam ser encontrados alguns negros em posições estratégicas de poder. Paralelamente, na África do Sul, a população de 45 milhões de habitantes sustenta apenas 10% de brancos, e também esses detêm o poder, subjulgando 90% de negros.
No caso brasileiro, nossa população de 190 milhões de habitantes comporta 50% de brancos e 50% de negros (aí incluídos os pardos, mestiços, mulatos e mamelucos, distinção essa quase impossível de ser feita nos dias atuais em face da miscigenação). Diferentemente dos demais, no Brasil o poder não pertence a uma determinada etnia, passando, de tempos em tempos, por presidentes cujas origens não caucasianas denotam, com algum grau de certeza, um equilíbrio das mais diversas etnias encontradas no globo terrestre.
A questão que se põe é saber se os assim chamados negros brasileiros têm tido as mesmas oportunidades sociais que os, assim chamados, brancos. Estudos sociológicos e estatísticos têm demonstrado que os negros se encontram, via de regra, à margem da sociedade, com menores salários, sem oportunidades de acesso às camadas sociais mais elevadas, sem direito a uma vida digna, respeitável e igualitária. Essa situação, como sabemos, é fato. E contra fatos não há argumentos.
Dir-se-á então, em defesa do status quo dos privilegiados, que não se trata de racismo mas de preconceito social. Aqui, no Brasil, tanto o branco como o negro pobres são igualmente discriminados, e o negro rico, é negro de alma branca.
Ledo engano. Até mesmo na mais alta Corte do país, no STF, foi preciso colocar um negro no posto de Ministro para que se enxergasse o óbvio. Não se olvide que o mesmo se deu com a mulher, também discriminada. Mas isso é outra história, para um outro momento.
O que se vê é que se não forem criados mecanismos legais (impositivos e sancionatórios) para diminuir as distorções, jamais enxergaremos um ao outro. Negro sempre será negro, mulher sempre será mulher, e o princípio constitucional da igualdade será mero simbolismo, para inglês ver.
Nesse sentido é que nasceram as ações afirmativas. De origem americana, o primeiro caso bateu na Suprema Corte dos EUA em 1974, tendo sido declarado constitucional o ato que instituiu o direito dos negros, de serem discriminados às avessas.
Se por um lado é possível admitir que haja discriminação na lei de cotas, e que os negros escolhidos serão discriminados exatamente em virtude dessa escolha excepcional, por outro lado, a lei vem deixar às claras que, independentemente do tipo de discriminação, direta ou às avessas, ela está presente no cotidiano das minorias. E a situação precisa mudar, ainda que a fórceps.
A pretensão legal não é, assim, a de trazer privilégio aos negros, mas sim, a de mostrar aos brancos, e ricos, que, ou se promove a inclusão social por amor ao próximo, ou por força de lei. Cabe a nós, os naturalmente mais favorecidos, aprender a lição. E somente então, não mais precisaremos de ações afirmativas para proteção das minorias.
Dinho Bailey

Liane Maertens said...

enquanto pensamos nas universidades nossas escolas de base vivem em greve com professores mau remunerados, não adianta proteger esse ou aquele se vamos formar pessimos proficionais sem nenhum preparo, cuidemos do ensino de base e nao precisaremos de cotas.

Anonymous said...

O Governo tenta uma inclusão
de maneira equivocada usando meios paleativos o que na verdade gera racismo e não o contrário.
Pensando em uma solução recorro a economia moderna que diz que Governo nao produz riqueza, que deveria tomar uma posicao reguladora apenas e nao controladora. Empresas e instituicoes governamentais só dão prejuízo e mesmo as que dão lucro poderiam ter um aproveitamento melhor.
Uma privatização em massa seria a melhor solução.
Na educação, daria oportunidades iguais para todos mesmo porque o governo passaria financiar pessoas e nao espaços físicos.
Deveria, também, se estender a outros setores como saúde, segurança, etc.
É mais fácil controlar verbas que vão para as pessoas do que controlar verbas
que vão para instituições
Portanto, enquanto houverem interesses apenas politicos ou economicos, o governo nunca fará isso.
Concluindo, exclusão no Brasil não é de raças, já que somos uma miscigenação, a exclusão é de classe social e economica.

Dodd Roff

Anonymous said...

Parabéns pela iniciativa de levantar esta questão no seu blog. Mesmo se tratando de um veículo de comunicação sobre o metaverso, não podemos nos esquecer de que não existem duas vidas e sim uma passada em ambientes de natureza diferenciada.

Beijos,
Archanjo 0:)

Lucrecia Slade said...

Ótima a sua disposição em tocar assuntos peritinentes à RL. ^^ Como bem disse o Archanjo, a vida é uma só, vivida em instâncias diferentes.

Podemos verificar que a aceitação de etnias, mesmo no metaverso, foi feita de forma lenta. Se observarmos bem, somente agora os avatares negros, mulatos e morenos aparecem com maior destaque, seja pelas novas skins, pelos cabelos afro, pelas roupas.

E quando isso vai para as cotas em educação, acabamos tendo uma infinidade de desdobramentos. O Brasil é conhecido pela miscigenação. E onde ficariam as cotas para judeus, árabes, orientais, índios, e por aí vai? Seria algo sem fim!

E considerando que estas cotas viessem a ser "aceitas", o que faz uma pessoa ser considerada negra ou branca? Tivemos o episódio dos gêmeos que passaram na universidade e um foi aceito pelas cotas e o outro recusado! E ao vê-los em fotografias, eram idênticos! Qual o critério utilizado para que isto ocorresse?

Não dá pra aceitar cotas. Pra mim, cota tem um quê de "migalha". E a sociedade brasileira já não tem mais como aceitar migalhas. Precisamos de pessoas com estômago para enfrentar as desigualdades sociais, bem como as urgentes reformas necessárias para a melhoria do padrão de vida da população.